Aulas enlatadas: para onde caminha a política
educacional brasileira?
Há décadas o mundo curvou-se ao prêt-à-porter, ao fast-food, à intensidade
consumista e assim foi se acostumando com a rapidez com que o tudo pronto, o
nem sempre necessário, o efêmero se impõem à nossa vida*.
Enlatam-se frutas, sopas, carnes e tudo que couber em belas embalagens
que, com a força de uma boa campanha publicitária, virarão dólares, mesmo com
gosto pasteurizado ou sem sabor.
Aulas não se podem enlatar. Ou podem? O
Ministério da Educação anunciou nos últimos dias que comprará aulas
semi-prontas, industrializadas, uma espécie de modelo tamanho único para
‘auxiliar’ pedagogicamente os professores. (Dilma convida professor norte-americano Salman Khan para parceria em
projeto na educação básica, agência Brasil, 16/01/2013 – 19h10).
As aulas do professor Khan foram muito
bem compostas por sua finalidade inicial: auxiliar sua prima, que morava
distante, a compreender matemática. Ambos dialogavam pela internet e assim, neste processo de
mediação, permeado pelo conhecimento recíproco e pela afetividade, foram
compondo aprendizagens. Afinal, Khan deveria conhecer a sua prima para
ensiná-la. Como afirma Snyders: para ensinar latim a João é preciso
conhecer latim e conhecer João.
A aula é uma prática social realizada numa condição historicamente
situada, que envolve uma dinâmica de contextualizações e atualizações, que não
se faz numa única direção de injetar conteúdos prontos; a aula se faz a partir
de mediações e atribuição de sentidos e significados entre estudantes e
professores.
A aula não pode estar pronta antes do encontro professor-estudante,
portanto, não pode vir enlatada. Transmitir conteúdo não representa dar aula. A
aula é o meio utilizado pela escola para a formação de pessoas, é o momento em
que, para aprender, é necessário que o estudante incorpore o conteúdo a seu
nível de significado e a função do professor é de identificar diferenciados
processos de compreensão, dúvidas, hipóteses dos estudantes, saberes envolvidos
no ciclo ensinar/apreender, colaborando para as possibilidades de articulações
com outras aprendizagens. O professor começa a construir a aula com o aluno
antes de encontrá-lo, mesmo na modalidade a distância.
Sabemos qual a equação para a melhoria da qualidade da educação brasileira:
boa formação de professores, condições dignas de trabalho, adequado ambiente
escolar e capacidade de gestão democrática das equipes dirigentes.
Medidas como essa em questão contrariam a luta histórica de educadores
contra a importação de modelos educacionais e a favor de uma política
educacional brasileira, comprometida com as nossas necessidades e
possibilidades.
Felizmente o professor Khan recusou o convite. No entanto, assusta-nos
que nossas lideranças não tenham considerado questões fundamentais, pontuadas
pelo convidado.
Esse convidado apoiado em seu bom senso recusou o convite. Outros não
recusarão. Alertemo-nos: a recusa não significa que Dilma mudou de ideia. Assim
permanece nossa tensão sobre a próxima fórmula mágica que se buscará para
equivocar nossa educação!
Quando parece que estamos avançando no campo da Educação retrocedemos
com escolhas tão contraditórias. É frustrante! Fica a pergunta: para onde está
caminhando a política educacional brasileira?
*As autoras Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Marineide Gomes
(Unifesp/EFLCH), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) e Valéria Belletatti
(Instituto Federal de São Paulo) são doutoras em Educação e integrantes do
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE-FE) da USP.
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