DAS COTAS "RACIAIS" RUMO ÀS
COTAS SOCIAIS - "EXCLUSÃO E INCLUSÃO" SOCIAL NO BRASIL (ALGUMAS NOTAS
SOCIOLÓGICAS)
por Antonio Carlos
Mazzeo, sexta, 27 de Abril de 2012 às 14:31 ·
Como já era esperado o Supremo considerou constitucional o sistema de
cotas "raciais" para as Universidades brasileiras. Em si, essa
resolução possui uma grande positividade porque pela primeira vez na história,
o Estado brasileiro assume suas responsabilidades para com as populações negras
e indígnenas que por séculos foram escravizadas e inseridas no processo
produtivo agro-exportador através da cruel escravidão moderna ou forma-trabalho-forçado. No
entanto, o assim chamado "problema racial" é apenas a ponta do
Iceberg pois a condição social dos negros, mestiços e indígenas no Brasil estão
inseridas em um complexo mais amplo.
O fundamental são as relações sociais de produção da particularidade
histórica do capitalismo brasileiro, que de escravistas-trabalho-forçado se
transformam em trabalho assalariado, sob condições de permanente opressão e de
ausência de direitos básicos conformativos de uma formação social classicamente
burguesa. Não por outro motivo,
no perído de que vai de 1850 até 1925, o Brasil verá a eclosão de
centenas de movimentos grevistas e de corte ideológico anarco-socialista, todos
reivindicando direitos trabalhistas e condições mínimas de vida dígna, no eixo
São Paulo - Rio de Janeiro e também nos estados da Bahia e de Minas Gerais.
O caráter do Estado Nacional brasileiro, de vezo colonial e de
tradição autocrático-escravista será o elemento determinante para que
os trabalhadores assalariados ainda sejam vistos pela elite dominante como
extensão "atualizada" da escravidão. Esses aspecto não explica
somente a ausência de direitos nas relações de trabalho, mas também e como
elemento central, a propria forma societal brasileira, em seu núcleo
constitutivo de sua sociedade civil burguesa (ou na definição de Marx, a bürgerlich gesellschaft ) gelatinosa (Gramsci) e
incompleta.
A incompletude da revolução burguesa brasileira e a constituição de um
capitalismo complementar e subordinado aos grandes centros do capitalismo
internacional gerou um aparelho estatal e uma burguesia à sua imagem e
semelhança. Desde seus inícios, o Estado brasileiro assentou-se sob uma dupla
base: a autocracia comandada por uma burguesia "transformista" e
estruturalmente anti-democrática e a subsunção econômica ao imperialismo.
Esse duplo caráter, integrado dialeticamente, da formação social
brasileira, dará o tom político-econômico das relações sociais,
incluindo-se ai as trabalhistas e do destino de uma permanente modernização
capitalista, realizada "pelo alto", sem o povo e na maioria dos casos
contra ele - um contínuo moderno sem o novo.
Esse elemento estrutural explica, também, a permanente intolerância da
burguesia brasileira para com os partidos operários, basta que atentemos que o
PCB, desde sua fundação em 1922, viveu a maior parte de sua vida na clandestinidade
e sob rigorosa repressão, entremeados por curtíssimos períodos de legalidade,
sendo que o período mais largo de vida legal será o pós "transição
democrática" em 1985 e que vem até nossos dias.
Ora em seu processo de objetivação, o capitalismo brasileiro primou por
uma inserção-exclusora das classes populares nos
processos produtivos. O desenvolvimento de grandes polos industriais destinados à
produção de mercadorias pertencentes ao Departamento II da
economia (a produção de bens de consumo), característica fundante do
capitalismo brasileiro, propiciou a incorporação de milhões de
brasileiros na economia "formal" , mas deixou como reserva e/ou como incluídos-excluídos
permanentes outros milhões de trabalhadores, ou melhor
dizendo, a maioria do povo brasileiro.
Nesse contexto, é necessário dizer que a composição étnica do povo
brasileiro sofreu notáveis transformações desde meados do século XIX, com o
advindo da imigração européia - como opção ideológica da monarquia para o branqueamento
da "raça" - e também para a incorporação desses
contingentes imigratórios nos novos processos produtivos que surgiam no
sudeste, particularmente na industrialização paulista. Ora, sabemos que os
contingentes negros, indígenas (aculturados ou não) e mestiços da população
brasileira foram deixados à margem das primeiras ondas modernizadoras, sendo,
depois gradativa e significativamente incorporados apenas a partir da
década de 1940, mesmo assim, em termos redusidíssimos, se levarmos em conta os
números populacionais do país.
Os negros, mestiços e indigenas (aculturados ou não) constituem ainda, a
maioria esmagadora dos que atuam marginalmente no sistema econômico brasileiro.
Mas, por outro lado, não podemos esquecer do enorme contingente de
populações que não se definem como negros e/ou mestiços e indígenas incluídos-excluídos
do processo produtivo e que constam também das estatísticas de pobreza, o que
não minimiza a condição dos negros, mestiços e indígenas (aculturados ou não), mas
agrava e expõe concretamente (aqui no sentido marxiano de
concreto) a questão social brasileira.
O fato é que se a política de cotas "raciais" apresenta
positividades no que se refere à inserção das populações negras, mestiças e
indígenas na vida intelectual e na vida economicamente ativa, por outro
lado, mitiga a questão central, que é a da manutenção de milhões de brasileiros
na linha de pobreza extrema. Temos no Brasil atual um contingente de mais de 70
milhões de pobres e miseráveis (considerados abaixo da linha da
pobreza ) - 34,1% da população: 21,7 milhões de indigentes
e 50,3 milhões de pobres, sem contar com os milhões que sobrevivem das
bolsas-família e de um salário mínimo de pouco mais que R$ 600,00 -
equivalentes a aproximadamente US$ 318, e € 240,00.
Nesse sentido, devemos analisar o quadro atual do acesso á
escolaridade por parte dos brasileiros. Para que tenhamos uma idéia, os dados
do IBGE revelam o abandono (13,2%) das escolas médias pelos jovens com
idade ideal para estar nessa etapa, entre 15 a 17 anos de idade, sendo que
nessa faixa etária, apenas metade dos jovens brasileiros (50,9%) estão na
escola. A disparidade entre os que concluem o ensino médio e os que o abandonam
é altamente expressiva, como demonstram os dados da pesquisa de Cibele Yahn de
Andrade do NEPP/ UNICAMP (Acesso ao Ensino Superior no Brasil: equidade
e desigualdade social. A evolução dos últimos 15 anos.), de 2011,
onde vemos os reduzidíssimos números de populações não brancas que
concluiram o ensino fundamental e médio e que nos indica que das faixas etárias
entre 18 a 24 anos, apenas 20% tiveram acesso ao ensino superior.
Mesmo com esses dados sumariamente apresentados, podemos concluir que os
estudantes que estarão incluídos nas cotas "raciais" será um pequeno
contingente da população negra, mestiça e indígena (aculturada ou não), porque
os dados nos demonstram que a maioria deles estão incluídos-excluídos da
escolaridade e por suposto, da vida economicamente ativa do país.
De modo que a questão das cotas "raciais" deve ser considerada
como um ponta-pé inicial para o amplo debate que leve em consideração e que
proponha a inclusão real dos milhões que vivem à margem da
vida ativa brasileira- social e econômica - e que coloque no centro da questão
anecessidade da construção do conceito mais universal e
mais justo das cotas sociais.
Além do mais, a "racialização" (sem entrar aqui, na
questão da total falsidade científica do "conceito" puramente
ideológico de "raça") das classes populares é mais um elemento de
desarticulação e de quebra da solidariedade de classe, se tratada de modo
particularizada e que dê margens à retirada dos negros, mestiços e
indígenas da luta universal dos trabalhadores pela emancipação
humana .
A história tem nos demonstrado e já nos alertava o jovem Marx (n'A
Questão Judaica) que nenhuma luta particularizada pode ganhar a estatura de
universalidade.
Assim, estando com
as cotas "raciais", devemos lutar para que as mesmas se
transformem rapidamente em luta por cotas sociais e em luta por conquistas
radicais na educação, na saúde e na moradia, lutas universais que lançam as
bases para a emancipação da raça humana.
Uma reflexão bastante atual e coerente com a realidade das políticas públicas do Brasil e a forma como essa "elite pensante política brasileira" subjetivamente dirigi a educação do País. Este sistema de cotas "raciais" precisa reafirmar e cumpri seu papel satisfatoriamente, como elemento de compensação das políticas sociais do País. Além de garantias de outros aspectos da dívida socialista com as demais classes sociais marginalizadas.
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