sábado, 28 de abril de 2012

RUMO ÀS COTAS SOCIAIS

DAS COTAS "RACIAIS" RUMO ÀS COTAS SOCIAIS - "EXCLUSÃO E INCLUSÃO" SOCIAL NO BRASIL (ALGUMAS NOTAS SOCIOLÓGICAS)
                               
por Antonio Carlos Mazzeo, sexta, 27 de Abril de 2012 às 14:31 ·
Como já era esperado o Supremo considerou constitucional o sistema de cotas "raciais" para as Universidades brasileiras. Em si, essa resolução possui uma grande positividade porque pela primeira vez na história, o Estado brasileiro assume suas responsabilidades para com as populações negras e indígnenas que por séculos foram escravizadas e inseridas no processo produtivo agro-exportador através da cruel escravidão moderna ou forma-trabalho-forçado. No entanto, o assim chamado "problema racial" é apenas a ponta do Iceberg pois a condição social dos negros, mestiços e indígenas no Brasil estão inseridas em um complexo mais amplo.

O fundamental são as relações sociais de produção da particularidade histórica do capitalismo brasileiro,  que de escravistas-trabalho-forçado  se transformam em trabalho assalariado, sob condições de permanente opressão e de ausência de direitos básicos conformativos de uma formação social classicamente  burguesa. Não por outro motivo,
no perído de que vai de 1850 até 1925, o Brasil verá a eclosão de centenas de movimentos grevistas e de corte ideológico anarco-socialista, todos reivindicando direitos trabalhistas e condições mínimas de vida dígna, no eixo São Paulo - Rio de Janeiro e também nos estados da Bahia e de Minas Gerais.

O caráter do Estado Nacional brasileiro, de vezo colonial e de tradição autocrático-escravista será o elemento determinante para que os trabalhadores assalariados ainda sejam vistos pela elite dominante como extensão "atualizada" da escravidão.  Esses aspecto não explica somente a ausência de direitos nas relações de trabalho, mas também e como elemento central, a propria forma societal brasileira, em seu núcleo constitutivo de sua sociedade civil burguesa (ou na definição de Marx, a bürgerlich gesellschaft ) gelatinosa (Gramsci) e  incompleta.  

A incompletude da revolução burguesa brasileira e a constituição de um capitalismo complementar e subordinado aos grandes centros do capitalismo internacional gerou um aparelho estatal e uma burguesia à sua imagem e semelhança. Desde seus inícios, o Estado brasileiro assentou-se sob uma dupla base: a autocracia comandada por uma burguesia "transformista" e estruturalmente anti-democrática e a subsunção econômica ao imperialismo.  Esse duplo caráter, integrado dialeticamente, da formação social brasileira,  dará o tom político-econômico das relações sociais, incluindo-se ai as trabalhistas e do destino de uma permanente modernização capitalista, realizada "pelo alto", sem o povo e na maioria dos casos contra ele - um contínuo moderno  sem o novo.  

Esse elemento estrutural explica, também, a permanente intolerância da burguesia brasileira para com os partidos operários, basta que atentemos que o PCB, desde sua fundação em 1922, viveu a maior parte de sua vida na clandestinidade e sob rigorosa repressão, entremeados por curtíssimos períodos de legalidade, sendo que o período mais largo de vida legal será o pós "transição democrática" em 1985 e que vem até nossos dias.  

Ora em seu processo de objetivação, o capitalismo brasileiro primou por uma inserção-exclusora  das classes populares nos processos produtivos. O desenvolvimento de grandes polos industriais destinados à produção de mercadorias pertencentes ao Departamento II  da economia (a produção de bens de consumo),  característica fundante do capitalismo brasileiro,  propiciou a incorporação de milhões de brasileiros na economia "formal" , mas deixou como reserva e/ou como incluídos-excluídos permanentes  outros milhões de trabalhadores, ou melhor dizendo, a maioria do povo brasileiro.
           
Nesse contexto, é necessário dizer que a composição étnica do povo brasileiro sofreu notáveis transformações desde meados do século XIX, com o advindo da imigração européia - como opção ideológica da monarquia para o branqueamento da "raça"  -  e também para a incorporação desses contingentes imigratórios nos novos processos produtivos que surgiam no sudeste, particularmente na industrialização paulista. Ora, sabemos que os contingentes negros, indígenas (aculturados ou não) e mestiços da população brasileira foram deixados à margem das primeiras ondas modernizadoras, sendo, depois gradativa e  significativamente incorporados apenas a partir da década de 1940, mesmo assim, em termos redusidíssimos, se levarmos em conta os números populacionais do país.

Os negros, mestiços e indigenas (aculturados ou não) constituem ainda, a maioria esmagadora dos que atuam marginalmente no sistema econômico brasileiro.  Mas, por outro lado, não podemos esquecer do enorme contingente de populações que não se definem como negros e/ou mestiços e indígenas incluídos-excluídos  do processo produtivo e que constam também das estatísticas de pobreza, o que não minimiza a condição dos negros, mestiços e indígenas (aculturados ou não), mas agrava e expõe concretamente  (aqui no sentido marxiano de concreto) a questão social brasileira.

O fato é que se a política de cotas "raciais" apresenta positividades no que se refere à inserção das populações negras, mestiças e indígenas  na vida intelectual e na vida economicamente ativa, por outro lado, mitiga a questão central, que é a da manutenção de milhões de brasileiros na linha de pobreza extrema. Temos no Brasil atual um contingente de mais de 70 milhões de  pobres e miseráveis (considerados abaixo da linha da pobreza ) -  34,1% da população:  21,7 milhões de indigentes e 50,3 milhões de pobres, sem contar com os milhões que sobrevivem das bolsas-família e de um salário mínimo de pouco mais que R$ 600,00 - equivalentes a aproximadamente US$ 318, e € 240,00. 

 Nesse sentido, devemos analisar o quadro atual do acesso á escolaridade por parte dos brasileiros. Para que tenhamos uma idéia, os dados do IBGE revelam o abandono (13,2%) das escolas médias pelos jovens com idade ideal para estar nessa etapa, entre 15 a 17 anos de idade, sendo que nessa faixa etária, apenas metade dos jovens brasileiros (50,9%) estão na escola. A disparidade entre os que concluem o ensino médio e os que o abandonam é altamente expressiva, como demonstram os dados da pesquisa de Cibele Yahn de Andrade do NEPP/ UNICAMP (Acesso ao Ensino Superior no Brasil: equidade e desigualdade social. A evolução dos últimos 15 anos.), de 2011,  onde vemos os reduzidíssimos números de populações não brancas que concluiram o ensino fundamental e médio e que nos indica que das faixas etárias entre 18 a 24 anos, apenas 20% tiveram acesso ao ensino superior.  

Mesmo com esses dados sumariamente apresentados, podemos concluir que os estudantes que estarão incluídos nas cotas "raciais" será um pequeno contingente da população negra, mestiça e indígena (aculturada ou não), porque os dados nos demonstram que a maioria deles estão incluídos-excluídos da escolaridade e por suposto, da vida economicamente ativa do país.

De modo que a questão das cotas "raciais" deve ser considerada como um ponta-pé inicial para o amplo debate que leve em consideração e que proponha a inclusão real  dos milhões que vivem à margem da vida ativa brasileira- social e econômica - e que coloque no centro da questão anecessidade da construção do conceito mais universal e mais justo das cotas sociais.

Além do mais, a "racialização" (sem entrar aqui,  na questão da total falsidade científica do "conceito" puramente ideológico de "raça") das classes populares é mais um elemento de desarticulação e de quebra da solidariedade de classe, se tratada de modo particularizada e que dê margens à retirada  dos negros, mestiços e indígenas da luta universal dos trabalhadores pela  emancipação humana .

A história tem nos demonstrado e já nos alertava o jovem Marx (n'A Questão Judaica) que nenhuma luta particularizada pode ganhar a estatura de universalidade.

Assim, estando com as cotas "raciais", devemos lutar para que as mesmas se transformem rapidamente em luta por cotas sociais e em luta por conquistas radicais na educação, na saúde e na moradia, lutas universais que lançam as bases  para a emancipação da raça  humana.

Um comentário:

  1. Uma reflexão bastante atual e coerente com a realidade das políticas públicas do Brasil e a forma como essa "elite pensante política brasileira" subjetivamente dirigi a educação do País. Este sistema de cotas "raciais" precisa reafirmar e cumpri seu papel satisfatoriamente, como elemento de compensação das políticas sociais do País. Além de garantias de outros aspectos da dívida socialista com as demais classes sociais marginalizadas.

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